Matérias Especiais: 2 de Julho

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Resistência, superação e enfrentamento a opressores e poderosos sempre foram marcas dos atos públicos que representam os grandes feitos brasileiros ao longo da história, e que são anualmente lembrados nos desfiles cívicos da Independência do Brasil e da Bahia. No caso dos bailarinos das fanfarras e bandas escolares de Salvador, o desfile do 2 de Julho é a maior oportunidade para mostrar ao grande público toda a graça e técnica de bailarinos, coreógrafos e entusiastas da dança e da ginástica. Hoje em dia, a apresentação desses artistas se transformou em um espetáculo à parte da própria manifestação histórica.

Autor de pesquisa de mestrado que trata das contradições nas performances e na história de vida dos balizadores de fanfarra, no estudo denominados “Veados de Fanfarra”, Vinícius Zacarias relata que, com o decorrer do tempo, os desfiles cívicos passaram por diversas transformações, e com isso tiveram a perda do caráter e da performance militarista para uma apresentação mais temática e lúdica.

“É algo muito mais espetacular do ponto de vista da teatralização, e as escolas conseguiram se inserir nessas modificações. Na verdade, elas foram os grandes agentes de transformação dos desfiles cívicos, que passaram a ter uma uma função mais pedagógica, de transmissão de conhecimento do que de fato é, como uma espécie de ritual militarista de reafirmação e padrões normativos nacionalistas”, conta.

“As escolas foram fundamentais nessa transformação. Inseridos neste contexto, os balizadores provocam tensões, porque, apesar da modificação dos desfiles de cívico-militares para temáticos, os balizadores têm esse papel de tensionar, pois há resistência aos movimentos de transformação. Os mais conservadores, que prezam por um desfile cívico-militar, e os mais progressistas, que são desconstruídos e prezam pela autonomia do sujeito, pela criatividade e pela arte, tensionam esses movimentos cívicos de fanfarras, que também são parte de uma organização política muito bem estabelecida aqui na Bahia, com federações, organização administrativa, política e cultural. Então, o papel que os balizadores desenvolvem é muito ambíguo e contraditório”, descreve Zacarias.

De acordo com o historiador, há toda uma tradição de uma escola de balizadores que integra uma história de dançarinos premiados nos campeonatos de fanfarra e inspiram as gerações mais recentes. Para ele, existe uma historicidade em torno da prática, em que surgem pessoas que eles têm como inspiração, além de uma disputa muito grande entre si. Esses personagens geralmente são de periferia, oriundos de escola pública e de contextos marginalizados e socialmente inferiorizados, que conseguem, a partir da sua agência e força de vontade, driblar barreiras sociais que envolvem a desigualdade econômica, o racismo e histórias de vida de balizadores que superaram muitos paradigmas pessoais para se consolidar naquilo que são hoje.

Inspiração - Plasticidade, garbo, ritmo, sequências coreográficas, adereços, entre outros, foram, com o tempo, adicionados aos desfiles. Assim, algumas modificações resultaram na distinção entre os três tipos de desfiles: militares, cívicos e temáticos. A cena artística do 2 de Julho de Salvador assume, na temática dos desfiles cívicos, caracterizados por uma desenvoltura menos rígida, vestígios de estilo e postura militar.

Os desfiles acontecem em vários municípios do Estado da Bahia. Balizadores de fanfarra estão posicionados na linha de frente das corporações, entre porta-bandeiras e estandartes. Atualmente, eles podem circular no meio de toda a agremiação, tendo como função a execução de elementos da ginástica rítmica, agregando elegância e beleza às apresentações.

Reinaldo Brito, de 34 anos, é um exemplo de superação pessoal. Ele teve que amputar as pernas por conta de problemas de saúde e, ainda assim, continua sendo balizador, ensinando as novas gerações a partir de oficinas e atuando em desfiles. Bailarino e coreógrafo, Brito trabalha com dança/baliza há 24 anos. Atualmente é o balizador mais antigo em atividade na Bahia. Como coreógrafo, passou a ser referência e professor de muitos jovens balizadores.

"Ser balizador é emocionante e prazeroso. Comecei a dançar na escola, viajando a Bahia balizando. Tenho hoje uma trajetória de referência, como inovador na prática durante os desfiles do 2 de Julho e 7 de Setembro. Passei um tempo afastado por doença, voltando a desfilar um ano depois. Acho importante ser referência para as novas gerações, por achar indispensável a manutenção desse movimento cultural. Para 2023, vou atuar também como jurado do concurso de balizadores, e acho uma importante evolução do meu trabalho”, relata Brito.

Para Reinaldo Brito, o trabalho do balizador não se resume apenas ao dia da apresentação. "É preciso muito trabalho, ensaios na quadra, ralando o joelho, se machucando. Tudo isso para estar sincronizado com o tempo da música, saber quando e onde a música para e reinicia. É uma arte, parte de um espetáculo que exige muito trabalho e sacrifício pessoal”, ressalta. Da mesma forma, outros jovens enveredam para a formação técnica em dança ou ginástica rítmica. Outros ainda desistem da vida como balizadores e vão seguir carreiras formais.

“As transformações foram bastante significativas na década de 90, por causa do reconhecimento do desfile como patrimônio cultural de uma festa híbrida, cheia de manifestações envolvidas de caráter religioso, científico, festivo e carnavalesco. As transformações foram ocorrendo ao longo do tempo, e é necessário que exista um trabalho de investigação histórica. Não existe uma data exata de quando esse movimento começou, pois é algo móvel, que vem acontecendo enquanto assistimos”, reforça Vinícius Zacarias.

Concurso - Como celebração do bicentenário da Independência da Bahia, a Fundação Gregório de Mattos (FGM) trouxe a proposta de inserir um concurso para os balizadores, meninas e meninos, em todas as bandas que desfilam no turno vespertino do 2 de Julho.

“É um concurso que vai além da tradicional disputa de bandas municipais e estaduais que participam do desfile. Essa proposta começou em função do bicentenário, e eu acho que é uma proposta que potencializa e enriquece a tradição e que, de repente, pode ser mantida a partir de agora”, destaca Márcia Fernanda, técnica da Gerência de Currículo da Secretaria Municipal de Educação (SMED), que acompanha as ações de arte e o movimento das bandas marciais das escolas municipais de Salvador.

"A fim de motivar os participantes, estamos fazendo reuniões com os regentes e suas respectivas bandas, estimulando os participantes com seus ensaios a ofertarem aos jurados os melhores desempenhos, visando de repente uma classificação, ou até mesmo a premiação de sua banda neste concurso. Por isso, nosso maior objetivo é manter e alimentar essa tradição e comemorar, também no bicentenário, esse desfile memorável, que faz parte do calendário das bandas", completa ela.

Reportagem: Eduardo Santos / Secom PMS

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O trajeto feito a pé para o desfile da Independência do Brasil na Bahia ocorre entre o Largo da Lapinha até a Praça do Campo Grande, abrangendo cerca de 5 km de extensão. O percurso é conhecido de cor por boa parte dos baianos e entusiastas da festa. Entretanto, o que muitos não sabem é como e por que a rota passou a ser utilizada para o cortejo cívico-popular.

Antes de tudo, é bom deixar claro que o caminho do préstito que se realiza nos tempos atuais não era o mesmo feito a partir de 2 de Julho de 1824, quando as celebrações tiveram início. A manifestação remonta a entrada do Exército Libertador brasileiro em Salvador – episódio que ocorreu na mesma data do ano anterior - após uma série de conflitos que culminaram na saída definitiva de tropas portuguesas na então província da Bahia.

À época, o Pavilhão da Lapinha, a Avenida Sete de Setembro e o monumento ao 2 de Julho no Campo Grande, por exemplo, sequer existiam. “O percurso mudou, e muito. Não era isso que é hoje. Ele começou menor, saindo da Lapinha, que era entrada da cidade pela Estrada das Boiadas, até o Largo Terreiro de Jesus, o centro vivo da cidade naquele tempo”, diz o historiador Jaime Nascimento.

Sendo uma das principais praças, era lá que a cerimônia católica do 2 de Julho acontecia. Ali também estavam localizadas a Faculdade de Medicina e, até 1921, a sede do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), de onde, neste dia, os acadêmicos discursavam.

Salvador já era uma metrópole e possuía fazendas ao redor, como no Cabula e Brotas, mas o grosso da produção agrícola e pecuária vinha do Recôncavo e de Capuame - hoje município de Dias d'Ávila - onde havia feira de gado. Neste cenário, a Estrada das Boiadas era a responsável por ligar o sertão à cidade, sendo rota fundamental de abastecimento.

A mesma via também passava pelas proximidades de Pirajá e chegou a ser bloqueada neste trecho, em 1822, pelas tropas brasileiras, estratégia que impactou na falta de alimentos para os portugueses baseados na capital. “A partir da vitória dos baianos, a tropa brasileira adentrou por este caminho, saindo da guerra maltrapilhos e com fome”, esclarece o professor de história da Bahia Murilo Mello.

A Estrada das Boiadas, ou pelo menos um trecho dela, se tornou ainda em 1823 o que é hoje a Estrada da Liberdade ou Rua Lima e Silva (comandante que conduziu o exército libertador ao triunfo). O logradouro é a principal base de tráfego do bairro da Liberdade e dá acesso ao ponto de partida do cortejo da Independência do Brasil na Bahia, no Pavilhão da Lapinha.

E Pirajá? - Em 1854, Pirajá, um dos palcos mais sangrentos da guerra, chegou a ser incluído como rota de uma romaria idealizada por Francisco Alvares dos Santos, professor catedrático da Faculdade de Medicina. A iniciativa ocorreu no ano seguinte à colocação dos restos mortais do general Pedro Labatut na Igreja de São Bartolomeu de Pirajá. O oficial francês foi contratado pelo governo de D. Pedro I para chefiar as lutas contra a ocupação portuguesa na Bahia, sendo um dos principais personagens na Batalha de Pirajá.

De acordo com a historiadora Wlamyra Ribeiro de Albuquerque no livro Algazarras na Ruas - Comemorações da Independência na Bahia (1889-1923), apesar do empenho, “a distância devia ser um bom motivo para que os apelos dos organizadores não fossem ouvidos pelos populares, pois, na época, Pirajá ficava nos arredores remotos da cidade. Mas a falta de um sentido popular para a romaria talvez seja a principal justificativa: ainda que algumas quadrinhas patrióticas cantadas na festa do dia 2 de julho fizessem referências a Labatut, o reconhecimento dele como herói nunca foi uma unanimidade na Bahia. Os populares pareciam atribuir a vitória de 1823 muito mais aos caboclos baianos do que ao militar francês”.

Rota ampliada - Desde os primeiros anos, as comemorações da Independência do Brasil na Bahia eram compartilhadas por diversos segmentos da sociedade. Ainda hoje, a festa é palco para manifestações políticas e de civismo impregnado de referências culturais. É a partir de 1895 que o percurso do cortejo cívico passa a ser estendido até o Largo Dois de Julho, conhecido popularmente como Praça do Campo Grande, com a instalação de um imponente monumento comemorativo aos feitos heroicos dos brasileiros em 1822-23.

“Em meados do século 19, aquela região era o lixão de Salvador. Fizeram toda uma urbanização daquela área e decidiram prestar uma grande homenagem à independência mandando trazer da Europa uma obra de ferro fundido. Este era o segundo monumento porque o primeiro é o Chafariz da Cabocla, que já esteve em vários lugares de Salvador e hoje está na frente do Quartel do Comando Geral Polícia Militar no Largo dos Aflitos”, conta Jaime Nascimento.

O Campo Grande se transforma, portanto, numa região nobre, abrigando moradores que ostentavam uma satisfatória situação financeira na Bahia. O colossal monumento de estética neoclássica colocado lá foi criado na Itália pelo artista italiano Carlo Nicoli y Manfredini e alcança altura de 25,86 metros.

No topo, chama atenção o principal personagem da composição: um caboclo com 4,1 metros de altura, munido com arco e flecha e armado com uma lança, matando um dragão, que representa a tirania portuguesa. Para ser erguido ao local, a peça artística desembarcou no Porto de Salvador e subiu a Ladeira da Montanha em carro de boi.

O cortejo cívico que passou a ficar mais extenso em 1895 também possuía roteiro diferente do que é realizado hoje devido ao traçado urbano da época. Os desfiles que antes tinham ponto final no Terreiro de Jesus se ampliam pela Praça Municipal, descendo a Ladeira da Praça e passando pela Praça dos Veteranos (defronte ao quartel do Corpo de Bombeiros da Baixa dos Sapateiros), adentrando a Rua do Gravatá antes de subir a Ladeira da Independência.

Logo depois, o itinerário abrangia o que é hoje a Avenida Joana Angélica, passando exatamente ao lado do Convento Nossa Senhora da Conceição da Lapa. Foi lá que, em fevereiro de 1822, tropas lusitanas invadiram o local em buscas de oficiais brasileiros escondidos, bem como armas e munições, assassinando a abadessa que dá nome à via que margeia o recinto religioso.

O cortejo rumava, por fim, até a Rua Direita da Piedade a caminho do Campo Grande. Somente com a inauguração da Avenida Sete de Setembro, em 1916, é que o desfile ganhou os contornos atuais, encurtando a rota de ligação entre o Campo Grande e o Centro Histórico.

Reportagem: Thiago Souza / Secom PMS

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Pela primeira vez na história, em 2023 a carruagem que leva o Caboclo no cortejo do 2 de Julho foi inteiramente desmontada. A peça, assim como a que leva a Cabocla, passou por uma restauração completa, para ficarem à altura da data tão especial: a celebração de 200 anos da Independência do Brasil na Bahia. O trabalho é comandado pelo artista plástico José Dirson Argolo, professor da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Há mais de 25 anos ele é escolhido pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) para realizar, anualmente, o serviço de preservação das imagens.

Quem entra no Studio Argolo, localizado no Garcia, tem o privilégio de se deparar com uma cena rara: o Caboclo e a Cabocla, tão marcantes para a iconografia baiana, nus. Ou seja: sem cabelo, cocar, penas, braceletes, colares, sem toda a indumentária clássica com a qual vão às ruas no 2 de Julho. O dragão, que representa a tirania portuguesa e que é pisoteado na escultura, está separado, bem longe dos pés do Caboclo, como sempre é visto. A armadura ladeada por canhões, que enfeita a parte frontal da carruagem, também está solta, num outro canto da sala.

Segundo José Dirson, por conta do tamanho e da complexidade das esculturas, os serviços de preservação sempre foram realizados anualmente com a carruagem montada e dentro do Pavilhão do 2 de Julho, na Lapinha. Porém, em 2023, o local está sendo reformado pela Prefeitura de Salvador para se tornar um memorial – o que obrigou a retirada da carruagem de lá. O artista plástico, então, aproveitou a deixa para desmontar a peça pela primeira vez na história e realizar uma restauração mais profunda. “O veículo foi para a garagem da Guarda Municipal, na San Martin. Já as imagens e acessórios vieram para o ateliê”, conta.

Separada do dragão e da carruagem, a imagem do Caboclo tem tamanho real de um humano, com cerca de 1,75 metro de altura, fora a grande haste de ferro maciço que sai do pé esquerdo e que faz o conjunto passar dos dois metros de altura. A Cabocla é bem menor e não tem haste. Ambas são feitas de madeira do tipo cedro coberta por gesso esculpido. As duas esculturas trazem expressões neutras, como as que se veem nas imagens sacras. Os músculos são vigorosos num tom de pele escuro e apenas um saiote foi esculpido em cada um como roupa.

Restauração – As imagens nem sempre foram assim. A primeira grande restauração das duas ocorreu em 1998, na ocasião dos 175 anos do 2 de Julho, também feita por José Dirson. Foi como redescobrir as esculturas originais após séculos. Segundo o artista, foram retiradas mais de 50 camadas de tinta, aplicadas sem qualquer zelo ao longo do tempo, e que acabaram deformando as peças por completo. Sem falar nos inúmeros enxertos de zinco, jornais, buchas e outros materiais usados para tapar buracos na madeira.

Foi há 25 anos que se descobriu, por exemplo, que os olhos do Caboclo e da Cabocla são de vidro, algo que ficou escondido sob camadas de tinta durante décadas. Resgatou-se, portanto, as esculturas originais, exatamente como foram elaboradas no Século XIX. Desde então, a equipe de José Dirson vinha realizando anualmente a preservação das imagens.

Em 2023, com a oportunidade de desmontá-las pela primeira vez, foi possível um restauro mais profundo, focado na estrutura das obras. Como, por exemplo, na haste que prende o Caboclo ao dragão e à carruagem, que nunca tinha sido acessada. O dragão estava com a madeira quebrada em vários pontos, e foi preciso consolidá-la, entre outras intervenções.

“Essas peças são do Século XIX. O Caboclo da década de 20 e a Cabocla de 40. Ou seja, são quase 200 anos deles também. Tudo isso sai em movimento pelas ruas, balançando, pegando buraco e ladeira íngreme. Depois, ficam três dias expostos no Campo Grande num período de chuva. E eles são de madeira, ou seja, quando molha, tudo isso dilata e depois retrai criando rachaduras. Por isso, esse trabalho de restauração é tão importante”, explica Cláudia Barbosa, restauradora do Studio Argolo.

Esculturas – Há uma divergência em relação à autoria e à data de criação do Caboclo. Ele teria sido criado em 1826 por Manoel Ignácio da Costa ou em 1828 por Bento Sabino dos Reis. O fato é que a carruagem como um todo foi montada a pedido da Sociedade Patriótica 2 de Julho, que à época organizava o cortejo, para manter o costume iniciado em 1824, quando a população desfilou da Lapinha ao Terreiro de Jesus acompanhando um homem de ascendência indígena sobre uma carroça de canhões, que fora apreendida do exército português, ornamentada com plantas.

“O carro alegórico foi concebido com rodas de carroças que levavam canhões portugueses, e que ainda hoje estão na carruagem. De cada lado, temos dois bacamartes (espingardas) também originais, apreendidas dos inimigos. Na parte superior, um caboclo que, com uma lança, acerta um dragão, representando os portugueses vencidos. Na frente do carro, temos uma armadura com elmo, representando um troféu de batalha. Além disso, dois anjinhos na frente anunciando a vitória, além de pequenos bustos e dísticos homenageando heróis de guerras”, descreve José Dirson.

Já a Cabocla é de 1846, de autoria de Domingos Pereira Baião, e foi criada a pedido do Marechal Andréa, então governador da província da Bahia. Português de nascimento, ele dizia que a imagem do Caboclo esmagando o dragão era hostil à colônia portuguesa e sugeriu a substituição pela imagem de uma mulher representando Catarina Paraguaçu. O povo recebeu muito bem a Cabocla, mas não tolerou que o Caboclo fosse afastado.

“É importante ressaltar que o 2 de Julho não surgiu das autoridades, ele é um cortejo que nasceu do povo. E, até hoje, a participação popular é o que determina os rumos da festa. O Caboclo e a Cabocla, para muita gente, são imagens de devoção. As pessoas se ajoelham diante das imagens e fazem pedidos. Eles ficam três dias no Campo Grande recebendo flores, perfumes e frutas. E a gente sempre encontra muitos bilhetes com pedidos e também agradecimentos pelas graças alcançadas nos anos anteriores”, destaca José Dirson.

Reportagem: Vitor Villar/Secom

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Mesmo após Dom Pedro I proclamar a Independência do Brasil às margens do Rio Ipiranga, em São Paulo, em 7 de setembro de 1822, o país não ficou livre do domínio português e passou por uma série de conflitos. Um dos mais decisivos para a perda definitiva do governo lusitano foi a Batalha de Pirajá, ocorrida em Salvador apenas dois meses depois do famoso brado do príncipe regente.

“Foi a maior batalha em número de participantes pela Independência do Brasil. Por isso que Pirajá guarda toda essa importância simbólica, sendo um dos principais palcos da guerra. Ela ocorreu em 8 de novembro de 1822, e não em 2 de julho de 1823, como muitos pensam. A Bahia, simbolicamente, nasceu ali. Antes disso, éramos colônia, extensão de Portugal ”, explica o professor e historiador Murilo Mello.

Até o desencadear desta luta armada, que durou cerca de oito horas, diversos embates militares e políticos acenderam os ânimos entre os que buscavam a independência e apoiadores da causa lusitana.

As primeiras faíscas tiveram início quando o Brasil passou a ter status de reino unido, a partir de 1815, com Dom João VI exercendo governo fora de Portugal. A grande contradição, entretanto, era que o novo reino tinha dois centros políticos: Lisboa, capital portuguesa, e Rio de Janeiro, à época capital brasileira, onde estava o príncipe regente.

A situação se arrastaria ainda por mais alguns anos quando eclodiu a Revolução do Porto, em 1820. Naquela ocasião, rebeldes portugueses queriam tirar medidas de liberdade ao Brasil que Dom João adotou quando chegou ao país em 1808. “Era uma revolução liberal para com Portugal e que visava formação de uma monarquia constitucional, mas extremamente conservadora para com o Brasil”, define Murilo.

Pressionado pelas cortes portuguesas, Dom João VI, que àquela altura já havia sido proclamado rei após a morte da rainha-mãe, Maria I, retornou à Europa, em 1821, deixando o filho Dom Pedro I como o príncipe regente no Brasil. Na volta ao Velho Continente, o monarca baixou decreto subordinando as províncias brasileiras a Lisboa. Outro evento que viria ajudar a acender o pavio foi a nomeação de dois diferentes nomes ao posto de Comandante das Armas.

Em terras brasileiras, Dom Pedro deu o cargo ao tenente-coronel Manoel Pedro de Freitas Guimarães, enquanto que Dom João VI pôs o brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo para a função. Um acordo chegou a ser oferecido para a formação de uma junta militar, o que não houve sucesso.

Com a dualidade de comando, as tropas lusitanas de Madeira de Melo e as tropas brasileiras (compostas por militares regulares e milícias) entraram em choque. No início de fevereiro de 1822, os soldados a mando de Portugal invadiram o Forte de São Pedro e quartéis em Salvador, buscando apreender armas, munições, soldados e oficiais amotinados.

Os portugueses também adentraram ao Convento da Lapa, onde acreditavam haver soldados brasileiros escondidos. Durante a invasão feriram mortalmente a golpes de baioneta a abadessa sóror Joana Angélica, que tentou impedir que os homens invadissem o recinto religioso feminino. A partir desse momento, o estado de ânimo ficou irreconciliável e a situação só viria a ser resolvida pelas armas nos campos de batalha.

Cerco montado - É aí que surge um dos nomes mais importantes na luta pela Independência do Brasil na Bahia: Joaquim D’Ávila Pereira, o coronel Santinho. Descendente da Casa da Torre, do Castelo Garcia d’Ávila (em Praia do Forte, litoral norte do estado), ele vai iniciar uma contraofensiva diante do que Portugal estava fazendo.

Santinho foi o primeiro baiano que efetivamente mobilizou um batalhão de nacionais, formado por indígenas armados com arcos e flechas, com experiência na preparação de emboscadas. Em 18 de julho de 1822, o coronel acampou em Pirajá, bloqueando a Estrada das Boiadas. Esta via ligava o sertão a Salvador, sendo utilizada para transportar o gado que vinha da Feira de Capuame - atual município de Dias D’Ávila - para a capital baiana. Também era essencial acesso para chegada de suprimentos vindos do Recôncavo.

Na Estrada das Boiadas, aproximadamente na altura de Pirajá, foram organizadas operações de guerrilha e montado cerco contra as forças portuguesas. “Era uma estratégia perfeita. Sem a chegada de alimentos à capital, Portugal não conseguiria ficar muito tempo”, avalia Murilo Mello.

O bloqueio se intensificou de tal forma que os preços dos alimentos disparam e a fome assolou a capital. De acordo com o jornalista e escritor Laurentino Gomes no livro 1822, uma galinha viva, avaliada em 880 réis no Rio, era vendida por 4,8 mil réis em Salvador. “Nossas privações vão crescendo porque não entra para a cidade gênero algum de primeira necessidade”, reclamava o general Madeira de Melo em carta a D. João VI.

Organização - A Batalha de Pirajá foi fundamental porque Portugal tinha que furar aquele cerco para conseguir comida, sendo ainda símbolo de resistência das tropas que lutavam pela independência.

Pouco antes dela acontecer, em 8 de novembro de 1822, os batalhões patrióticos não possuíam organização formal e nem ações coordenadas. Neste cenário, Dom Pedro I, que já era dissidente da Coroa, resolve trazer mercenários para organizar a defesa. Foram contratados a peso de ouro o general francês Pierre Labatut e o almirante escocês Thomas Cochrane, ambos com experiências e lutas na Europa.

No momento em que assumiu as tropas, Labatut encontrou um exército de voluntários composto por indígenas, negros e mestiços escravos, livres e libertos, mesclando soldados regulares e voluntários. Antes de desembarcar na capital baiana, ele arregimentou homens do Rio de Janeiro e Pernambuco para compor suas tropas, engrossando o caldo dos batalhões libertadores.

O lendário corneteiro - O conflito entre os exércitos português e brasileiro ocorridos em Pirajá abrangeu não apenas onde é hoje o bairro como as localidades de Cabrito e Campinas. Com mata atlântica densa e poucas construções à época, Pirajá era um lugar que tinha peixe em abundância, rios e fonte de água importante para Salvador. O atual Parque São Bartolomeu, inclusive, foi um dos palcos da guerra.

Com apenas quatro horas de combate, a vitória lusitana na Batalha de Pirajá era dada como certa. Não há consenso quanto ao número de combatentes em campo. Há fontes que citam a participação de cerca de 4 mil soldados, sendo pouco mais da metade de portugueses (ou seja, a maioria) e o restante por brasileiros.

Ao perceber uma eventual derrota durante o conflito, o tenente-coronel Barros Falcão, comandante do batalhão libertador em Pirajá, ordenou o recuo das forças nacionais. É neste momento que surge mais um dos personagens lendários na luta pela Independência do Brasil na Bahia: o corneteiro Luís Lopes.

Lopes teria recebido de Barros Falcão a ordem de soar o toque de retirada, mas não se sabe se por engano ou de propósito, soou o “avançar cavalaria”, o que teria feito os portugueses fugirem, assustados com a perspectiva da chegada de um regimento de cavalaria brasileiro que não existia. Essa façanha não possui comprovação histórica fundamentada.

Assustadas, imaginando que os brasileiros haviam recebido reforços, as tropas lusitanas partiram em retirada em direção a Lapinha, sendo perseguidas pelos soldados do exército libertador que estavam armados com baionetas e sabres.

A vitória na Batalha de Pirajá, contudo, não se resume a um golpe de sorte. Trata-se do resultado do esforço patriótico de soldados e voluntários que se engajaram na luta contra um exército mais numeroso e bem melhor treinado e equipado. A derrota dos portugueses no conflito assegurou o posicionamento das tropas brasileiras na região e a continuidade do cerco a Salvador.

Reportagem: Thiago Souza / Secom PMS

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Até 1860, as esculturas do Caboclo e da Cabocla, principais símbolos do cortejo do 2 de Julho, ficavam guardadas em um barracão no Terreiro de Jesus, no Pelourinho. As carruagens dos Caboclos, portanto, tinham que ser levadas do Pelourinho à Lapinha para que de lá fizessem o percurso novamente, mas no sentido inverso.

Foi então que, após um período de baixa participação popular nos festejos da Independência, a Sociedade Patriótica 2 de Julho, integrada em sua maioria por pessoas ligadas às atividades comerciais e a alguns veteranos de guerra, lançou uma campanha para revigorar a festa e adquiriu um terreno na Lapinha, onde construiu um barracão para abrigar as duas carruagens e as imagens do Caboclo e da Cabocla.

O historiador e pesquisador Diego Copque conta que o responsável pela compra do terreno foi José Álvares do Amaral, integrante da Sociedade Patriótica 2 de Julho. José Álvares era neto de João Ladislau de Figueiredo e Melo, que atuou de forma significativa nas lutas pela independência e foi agraciado pelo imperador D. Pedro I com dois títulos ao final da guerra.

Apesar de todo o empenho dos patriotas, no início do século XX o barracão entrou em ruínas, pois os integrantes da agremiação, que eram os responsáveis por juntar dinheiro para fazer a manutenção do local, eram pessoas humildes que não tinham muito poder aquisitivo. Em 1916, O Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), então com 20 anos de existência, resolveu chamar para si a obrigação de construir na Lapinha uma edificação para guardar os símbolos do Dois de Julho. “O barracão era bem improvisado, era apenas coberto e tinha paredes de palha”, conta o jornalista, pesquisador e diretor do IGHB, Jorge Ramos.

Foi aí que em 1917, o Major Cosme de Farias entregou as chaves do barracão, as carretas e as imagens ao Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) “para a guarda eterna”, conforme disse na solenidade de entrega das chaves. No ano seguinte (1918), foi inaugurado o Pavilhão 2 de Julho na Lapinha. A inauguração foi registrada em uma das edições da Bahia Illustrada, revista mensal brasileira editada no Rio de Janeiro durante a primeira metade do Século XX, e atualmente disponível na hemeroteca digital brasileira.

A edificação foi construída pelo IGHB, durante a gestão do secretário Bernardino de Souza, a partir de arrecadação de donativos populares. “Naquele tempo não havia políticas públicas voltadas para a cultura, as ações culturais eram bancadas pelo próprio bolso. As entidades eram instrumento dessas ações, mas sem muitos recursos para fazer frente a essas despesas”, explica Jorge.

Por que a Lapinha - A escolha da Lapinha tanto como ponto de partida para o desfile cívico como para a construção do pavilhão tem uma justificativa histórica. Foi nesse local que o pernambucano José de Barros Falcão de Lacerda, general Barros Falcão, grande comandante da batalha de Pirajá, chegou na madrugada de 2 de julho de 1823 e ficou aguardando Lima e Silva, comandante-geral do Exército Libertador, que vinha pela Estrada das Boiadas, atualmente a Rua Lima e Silva, na Liberdade.

“Então, foi nesse local que primeiro chegou o general Barros Falcão, onde ficou acampado aguardando por Lima e Silva. Com a chegada de Lima e Silva, ocorre o encontro das duas divisões das forças patrióticas e há uma confraternização com abraços. Foi a união na vitória. Eles marcharam da Lapinha à Soledade, o general Lima e Silva à frente sobre um cavalo e ao lado dele o Corneteiro Lopes. Na Soledade, as freiras fizeram uma homenagem com um arco de folhas. Essa imagem está eternizada no quadro Entrada do Exército Libertador de Presciliano Silva”, diz Jorge.

A parte urbana de Salvador começava na Lapinha se estendendo até o Centro Histórico. Da Lapinha para a região norte da cidade predominava a vegetação. Então, a Lapinha foi o ponto de partida para o primeiro desfile cívico após as lutas pela Independência do Brasil na Bahia e nada mais justo que os carros emblemáticos do Caboclo e da Cabocla ficassem guardados nesse local, que é o ponto de partida do desfile cívico em celebração à data magna da Bahia todos os anos.

Edificação – O Pavilhão 2 de Julho compreende uma área de 175,57 metros quadrados, ou seja, trata-se de uma edificação estreita. A Prefeitura está realizando a requalificação do local para a implantação de um memorial que vai permitir a visitação pública durante todo o ano. O Pavilhão da Lapinha, como também é chamado, vai abrigar uma pequena exposição sobre a Independência do Brasil na Bahia e seus principais símbolos, personagens e acontecimentos. Os carros emblemáticos e as imagens do Caboclo e da Cabocla, que ficam abrigados no local, também serão restaurados pelo artista plástico e restaurador José Dirson Argolo.

Apesar de estreita, a edificação do Pavilhão 2 de Julho tem um amplo pé-direito (termo na arquitetura para se referir à altura entre o chão e o teto). Essa característica da altura do imóvel está sendo aproveitada no processo de requalificação para a construção de dois mezaninos metálicos com piso em vidro de onde será possível ver os carros emblemáticos do Caboclo e da Cabocla.

“O projeto segue um conceito que nós defendemos hoje na arquitetura. Quando nós temos uma arquitetura que marca uma época, ao fazer alguma mudança, nós trabalhamos com arquitetura contemporânea para que fique bem claro o que é contemporâneo e o que é histórico”, conta Tânia Scofield, presidente da Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF), responsável pelo projeto do memorial.

Membro da comissão de cultura do IGHB, Jorge Ramos, define a implantação do memorial como uma iniciativa absolutamente notável. “Já não era sem tempo a Bahia quitar essa dívida com os nossos heróis do passado. Era um sonho da nossa saudosa ex-presidente do IGHB, Consuelo Pondé de Sena, que queria esse memorial e que sonhava também com um museu da Independência. Esse memorial é um trabalho que a Prefeitura realiza para propiciar aos baianos a eternização do nosso 2 de Julho”, afirma.

Simbolismo – A fachada do imóvel é notável pelas cores vivas e pelo simbolismo. Segundo o arquiteto Nivaldo Andrade, coautor do projeto de restauração e requalificação do Pavilhão 2 de Julho, a edificação foi construída em um período em que estava em voga no Brasil, na Bahia e no mundo a arquitetura eclética, que era uma arquitetura que bebia dos estilos do passado.

“A fachada muito ornamentada, com muitos elementos decorativos ao redor da porta, como o rendilhado, as folhas e flores, reflete um pouco essa linguagem predominante nas primeiras décadas do século passado. São alguns exemplos dessa arquitetura eclética o Palácio Rio Branco, Palácio da Aclamação e o Corpo de Bombeiros na Baixa dos Sapateiros”, conta.

Além das características da arquitetura eclética, havia um discurso do nacionalismo, em defesa da Bahia, da Independência da Bahia e do Brasil, por isso figuram na fachada o Brasão da Bahia, o Brasão de Armas do Brasil (Brasão da República) e o Brasão Oficial do Império do Brasil. A porta e a ornamentação ao redor têm um formato de arco, remetendo aos arcos do triunfo, com o grito do Ipiranga: Independência ou Morte. A porta já tinha o formato de arco em imagem registrada em 1871, conforme registra o livro “2 de Julho: a Festa é História” de Socorro Targino Martinez.

“Arco do Triunfo é um termo que existe desde Roma antiga. Nesse período, quando os imperadores realizavam feitos importantes, era construído um arco do triunfo, a exemplo do Arco de Tito, que comemora as vitórias militares do imperador Tito. Posteriormente, esses arcos serviram de modelo para a construção de novos arcos, a exemplo do Arco do Triunfo, inaugurado em Paris, no século XVIII. Então são arcos que registram o triunfo de algum governante frente a algum inimigo, batalha ou guerra”, explica o arquiteto.

Restauro – Com a requalificação e implantação do memorial feitos pela Prefeitura, a fachada passou por um trabalho cuidadoso de restauração, conduzido por profissionais de Artes Plásticas, no sentido de recuperar o que estava comprometido, a exemplo dos brasões, que estavam um pouco deformados, devido às diversas camadas de reboco e tinta. Com a restauração, os elementos ficaram mais nítidos.

Nivaldo destaca ainda que o principal desafio da obra foi criar espaços dentro de um edifício pequeno para a instalação do memorial. “Era um galpão com um único espaço e a gente conseguiu transformar em um espaço com três níveis, com um espaço positivo razoavelmente grande para o tamanho original do edifício. Isso não impacta na sua leitura desde o Largo da Lapinha. Quem estiver do lado externo vai continuar vendo a mesma fachada, só que restaurada, mas lá dentro o espaço cresceu”, afirma Nivaldo.

A obra compreende a construção de três pavimentos ao fundo do lote, abrigando elevador, sanitários, circulações, área de exposição e sala administrativa, tudo isso conectado ao pavilhão através de estrutura metálica. Quem visitar o memorial após a requalificação vai ter a oportunidade de passear entre o contemporâneo e o histórico, tendo ao centro as atrações principais do espaço: o Caboclo e a Cabocla, figuras representativas da força popular (indígenas, negros libertos e escravizados, mestiços e brancos pobres), principal atuante na luta pela Independência do Brasil na Bahia.

Reportagem: Priscila Machado / Secom PMS

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O percurso do Fogo Simbólico do Dois de Julho, no Bicentenário da Independência da Bahia, ganhou um novo roteiro neste ano de 2023. Na manhã desta sexta-feira (30), além do tradicional percurso que sai de Cachoeira, o Fogo Simbólico também partiu de Mata de São João e passará pelos municípios de Dias d’Ávila, Camaçari, Lauro de Freitas e Simões Filho, onde a chama se unirá à do roteiro tradicional, rumo ao destino final no bairro de Pirajá, em Salvador.

A inclusão dos municípios de Mata de São João, Dias d’Ávila, Camaçari e Lauro de Freitas nas celebrações do Dois de Julho foi autorizada pela Fundação Gregório de Mattos (FGM), atendendo à solicitação feita pelo Consórcio Intermunicipal Recôncavo Norte e pelo historiador e pesquisador Diego Copque, que apontam contribuições importantes desses municípios, no processo de consolidação da Independência do Brasil na Bahia.

O roteiro tradicional tem saída de Cachoeira e passagem pelas cidades de Saubara, Santo Amaro, São Francisco do Conde, Candeias e Simões Filho. A pesquisa realizada por Copque deu origem ao livro Presença do Recôncavo Norte da Bahia na Consolidação da Independência do Brasil, publicado em maio de 2022. Para o pesquisador, a incorporação desses municípios na programação da festa fortalece a autoestima e o sentimento de pertencimento das pessoas que vivem nessa região, valorizando a singularidade histórica, geográfica e cultural.

Resgate histórico – “Esse pleito vem no sentido de reparação e de perceber que a história, a identidade e a cultura de uma região estavam sendo perdidas e, se alguém não buscasse uma espécie de despertar e de reparação, se perderiam muito mais", revelou, destacando o empenho do pesquisador Coriolano Oliveira, de jornalistas e da comunidade local para a obra. "Nós iniciamos essa luta há quase uma década, a campanha foi ganhando força, até o reconhecimento da FGM”, conta satisfeito Diego Copque.

Para o gerente de Promoção Cultural da FGM, George Vladimir, a participação do fogo simbólico no Recôncavo Norte tem dupla importância: a primeira é o reconhecimento e a legitimação da participação dessas cidades na luta pela Independência e, a segunda, a reparação histórica. “Há mais de 50 anos, essas cidades integravam o percurso do fogo simbólico nos dias que antecedem a celebração, mas, a partir de um determinado momento, devido à inauguração do polo de Camaçari, elas saíram do circuito. Então é uma medida de reparação histórica, que foi solicitada pelo Consórcio Intermunicipal Recôncavo Norte e prontamente atendida”, afirma.

Reforço de tropas – Em seu livro, Diego Copque registra que na manhã de 19 de fevereiro de 1822, os militares portugueses invadiram o Forte de São Pedro (atual região do Campo Grande) e outros dois quartéis localizados em Salvador, que alojavam tropas de brasileiros. Os brasileiros foram derrotados e fugiram para se reagrupar no Recôncavo Norte, na Casa da Torre Garcia D’Ávila, território hoje pertencente à Mata de São João.

No Recôncavo Norte, a tropa patriota foi recepcionada pelo senhor da Torre, Antônio Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque e lá recebeu reforços de milicianos, indígenas, e caboclos remanescentes da Vila de Abrantes, Arembepe, Barra do Jacuípe e Monte Gordo, para depois voltar e lutar em Salvador. Os irmãos Pires de Carvalho e Albuquerque foram responsáveis, juntamente com o mercenário francês Pedro Labatut, por formar e dar um caráter militar ao exército brasileiro, que libertou a província da Bahia e o Brasil das forças portuguesas.

Provisão e armas – Já a Feira de Capuame (situada no território hoje denominado município de Dias d’Ávila), foi responsável pela provisão de carne, para sustento do exército patriota que lutou contra as forças portuguesas. Em outubro de 1822, a Feira de Capuame, primeira feira de gado da América Latina, tornou-se um arsenal de guerra, com uma oficina instalada para a manutenção dos armamentos disponíveis e improvisados pelos patriotas, sendo, por alguns dias, base da milícia da Casa da Torre.

Entre os atores da cena política e militar de Vila de Abrantes (região de Camaçari) estão o indígena tupinambá Joaquim Eusébio de Santa Anna, capitão-mor dos índios de Vila de Abrantes e Cipriano José Barata de Almeida, jornalista, cirurgião, filósofo, político e senhor de engenho de cana de açúcar, em Vila de Abrantes. Ele se destacou como um dos mais ativos combatentes em favor da Independência do Brasil.

Nobres cavaleiros – Em relação à participação de Santo Amaro de Ipitanga, território hoje chamado de Lauro de Freitas, é possível destacar que importantes combatentes viviam nessa freguesia, a exemplo de Luiz Antônio Pereira Franco e Anastácio Francisco de Menezes Dórea, que foram agraciados pelo imperador com o título de Cavaleiros da Ordem de Cristo. Além disso, o engenho Cagi, em Santo Amaro de Ipitanga, funcionou como uma espécie de hospital de campanha durante as lutas pela Independência do Brasil na Bahia. O engenho pertencia a João Ladislau de Figueiredo e Melo, grande latifundiário da região, seu neto, José Alvares do Amaral, foi responsável pela compra do casarão que até hoje abriga os carros alegóricos dos caboclos na Lapinha, no bairro da Liberdade.

“Todo o povo baiano pegou em armas. Ocorre que não seria diferente com a região do Recôncavo Norte. Eram povoações, vilas de suma importância, a exemplo de Vila de Abrantes, que era uma vila indígena onde o Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara foi aclamado como imperador constitucional do Brasil. A participação desses povoados teve uma importância crucial no processo de lutas pela Independência na Bahia”, conta Copque.

Articulação – O fogo do Dois de Julho representa a união dos povos para a conquista da libertação da Bahia e do Brasil. Ele representa também a chama da liberdade. “É uma chama que não pode ser apagada, por isso ela é passada de mão em mão, como se fosse uma esperança que não morre. Inclusive, é algo que bebe de uma tradição já antiga. Outras culturas também têm esse viés ligado à chama, sagrada ou não, mas que passa de mão em mão levando ideais, esperança ou mesmo concepção de liberdade”, explica o historiador e pesquisador Rafael Dantas.

O trajeto do fogo simbólico no Recôncavo Leste, e esse ano também no Recôncavo Norte, é organizado todos os anos pela FGM, em articulação com as prefeituras dos municípios participantes e com a parceria do Exército do Brasil, da Polícia Militar, da Guarda Civil de cada município e dos órgãos de saúde. Uma equipe da FGM, formada por técnicos de produção e um motorista, acompanha os atletas durante todo o percurso nos dias de passagem do Fogo Simbólico, juntamente com a equipe de cada cidade, fornecendo água, repondo o querosene e fornecendo o aparato necessário.

O órgão também é responsável por escolher uma pessoa para acender a pira do fogo simbólico, no Campo Grande, no dia 2. Esse ano, a atleta paralímpica e multicampeã na natação, Verônica Almeida, de 48 anos, foi o nome escolhido para o ato solene. É a primeira vez que a tocha será acesa por uma atleta paralímpica.

Celebração – Para comemorar os 200 anos de Independência do Brasil na Bahia, que este ano tem como tema “Salve nossa terra, Salve o Caboclo”, Salvador terá uma programação especial entre os dias 30 de junho e 25 de julho, que prevê a entrega do novo Largo da Lapinha, do novo Memorial Dois de Julho e do monumento à Maria Felipa, na Praça Cairu, além de apresentações culturais, ações nas escolas e retorno do concurso de fachadas ao longo do percurso do desfile cívico.

No domingo (2), dia do desfile cívico, o grupo BaianaSystem apresentará o Sambaqui, show especial que ocorrerá na Praça Cairu, no Comércio, às 19h, e contará com os convidados Lazzo Matumbi, Raquel Reis, Vandall, Caboclos de Itaparica, Afrosinfônica, Liz Reis, Cláudia Manzo e Elivan Conceição.

Reportagem: Priscila Machado/Secom

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